segunda-feira, 14 de janeiro de 2013

Artigo: São Francisco de Assis: o mendigo mais amado do mundo.



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Casamento de S. Francisco de Assis com a Dama Pobreza. Museu Condé (Sasseta)
E aí meu povo,
Com um dia de atraso vamos falar um pouco sobre o Santo de Assis, um dos mais queridos de toda a cristandade, com certeza um dos mais conhecidos. Falaremos também um pouco dos seus filhos espirituais, assim como fizemos no post que falava sobre São Domingos.
A análise das fontes feita por Le Goff, em sua obra sobre o santo de Assis, abre uma boa perspectiva a respeito do caminho que devemos seguir para encontrar o sentido oculto por várias fontes que não são confiáveis, segundo a visão desse autor.
Filho de um rico comerciante de Assis, São Francisco nasceu entre os anos de 1181 e 1182. Não foi um homem do campo, mas um rapaz criado na cidade, cidade aliás que usufruiu do renascimento que se observava, principalmente na Itália, a partir do ano 1000. Tal característica é importante para tentar entendermos o espírito do religioso franciscano: um homem voltado para as aglomerações humanas, não tão imponentes como as buscadas pelos dominicanos, mas as de porte médio, como o era a cidade natal do poverello.
Em sua formação intelectual, podemos indicar a erudição que se dava a um cavalheiro. Era fluente em francês, língua que legou muito dos seus escritos. Uma das hipóteses levantadas a respeito da origem de seu nome diz respeito à preferência de seu pai pela França. Não nos ateremos às suas peripécias mundanas e às questões de origem militar nas quais se viu envolvido, por não considerarmos isso tão relevante.
Como se deu a conversão de Francisco? Teria acontecido por volta de 1205, não parece ter sido um ato contínuo, mas um conjunto de fatores que o levou a abraçar a fé. Para Le Goff, citando Tomás de Celano, na Vita Prima sobressai a perspectiva “espiritual”, na Vita Secunda uma perspectiva “mística”. Desde a partida para a Guerra da Apúlia, passando por seu retiro quando do retomo, em uma gruta afastada, à reconstrução da Igreja de San Damiano, indicam os caminhos de Francisco em direção ao apostolado.
Segue abaixo um trecho do Testamento em que Francisco fala de um episódio considerado crucial em seu processo de conversão:
“O Senhor me deu, a mim, irmão Francisco, a graça de começar a fazer penitência: quando ainda estava em pecado, parecia-me muito amargo ver os leprosos, mas o próprio senhor me levou a estar com eles e eu usei de misericórdia: quando me afastei dali, aquilo que me parecia amargo rapidamente se transformou em doçura de alma e de corpo. Em seguida esperei um pouco, e saí do mundo”.
Desde muito cedo Francisco demonstrou predisposição para doenças, principalmente dos olhos e do trato digestivo. Ao contrário de outros mártires e santos da Igreja, Francisco demonstrou uma certa ambiguidade no que tange a forma como tratar o corpo. Enquanto muitos, como o próprio Domingos, recorriam ao autoflagelo, Francisco simplesmente deixava que a natureza seguisse seu curso. Não deixava de ver o corpo como instrumento do pecado, mas, por outro lado, via no corpo humano a imagem material de Deus e, mais particularmente, do Cristo. Tais como todas as outras coisas da Terra, o corpo era criação divina e não podia de forma alguma ser deliberadamente maculado. Tal colocação é importante para entendermos como podiam se dar as reflexões a respeito do homem interior e dohomem exterior feitas por São Francisco, e que vieram a marcar definitivamente a imagem da Ordem dos Frades Menores.
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Um momento central para a conversão de Francisco: o beijo no leproso. Azulejos da Igreja de N. Sra. da Penha (Lar de Dom Pedro V)
A partir do terceiro ano de sua conversão, ele passa a exercer sua função de missionário. Em 1209 dirige-se a Roma para falar como o papa Inocêncio III. É desta época a primeira “regra”. Ao que parece, não se tratava exatamente de uma regra como as de São Bento e Santo Agostinho, mas sim de uma fórmula de vida vitae formam et regulam, baseada principalmente nos Evangelhos, e com a qual desejava orientar a vida de seus seguidores. Depois de alguns encontros, o papa concedeu a Francisco não uma aprovação bulada, i. e., com chancela oficial do Vaticano, mas apenas verbal.
Os franciscanos carregam o signo da originalidade em seu nascimento. São fruto de uma época em que os homens buscavam uma proximidade maior com Deus. O Concílio de Latrão IV havia proibido a formação de novas ordens religiosas, mas obviamente, esta proibição não foi tão rígida com os seguidores de Francisco, membros da da O.F.M. – Ordem dos Frades Menores.
São Francisco retomou a Úmbria e, nos anos seguintes, de 1210-11, a fraternidade cresceu de forma lenta mais gradativa. Em 1212, Francisco conhece uma jovem de origem nobre que fugiu influenciada pelos seus sermões. Com ela, Santa Clara, criou a Ordem das Pobres Senhoras. Nesse mesmo ano Francisco embarca para a Síria, viagem frustada por um naufrágio. Em 1214, tenta novamente retomar ao projeto de pregar aos sarracenos, mas, caindo doente na Espanha, tem que retornar à Itália. Seu projeto realiza-se parcialmente em 1219, em sua viagem ao Egito.
A respeito de Latrão IV, quando se deu o encontro entre Francisco e Domingos (1215), trataremos quanto voltarmos em um novo post.
Excetuando-se os momentos em que São Francisco buscou levar sua pregação para Espanha e Egito, o franciscanismo de início tem um aspecto regionalista. Foi a partir de 1217 que resolveu que era hora de partir para outros cantos da cristandade, e idealizou viagem a França. Passando por Florença, foi ter com o cardeal Hugolino, que o convenceu a desistir dessa jornada, em virtude da sua saúde frágil. Com relação à pregação franciscana nesse primeiro momento, fora dos limites da Itália, nos diz Le Goff:
“Na verdade, os missionários que tinham deixado a Itália não tinham dado seqüência a nada e foram especialmente mal recebidos na Alemanha”. (Le Goff)
Em 24 de junho de 1219, o santo embarca em Ancona com destino ao Egito, presencia a tomada de Damieta e é provável que tenha visitado a Palestina para conhecer os lugares santos. O martírio de cinco franciscanos no Marrocos e a crise interna que instalou-se dentro da ordem após sua partida precipitaram seu retorno, em 1220. Nessa situação, viu-se obrigado a fazer as concessões necessárias para obter o apoio da cúria, o que ratifica o ponto de vista de Vauchez ao afirmar que os primeiros momentos da O.F.M. foram de grande turbulência.
Instituíram-se duas regras para os franciscanos: a Regra não-bulada (1221) e a regra oficializada pela Igreja (regula bulada), de 1223. Foram tantos os questionamentos a respeito da regra não-bulada que esta foi submetida ao cardeal indicado pela cúria como protetor da Ordem, o mesmo Hugolino, que viria a ser o papa Gregório IX. Este não a aprovou também, e coube a Francisco elaborar uma nova regra, de aspecto mais seco e jurídico, que foi enfim aprovada.
Logo após a aprovação da regra bulada, Francisco afastou-se da liderança da Ordem, alegando motivos de saúde. O que parece ser verdade já que, sua condição degenerava rapidamente. Em 1224, o santo está em retiro do mundo. Deixou sua ordem aos cuidados da cúria e tratou de cuidar de sua salvação particular. Tenta retornar à vida de peregrinação, mas sua frágil saúde não permite. Seu empenho amoroso em imitar Jesus Cristo deixou marcas não só em sua alma, mas também em seu corpo: em um dia em que meditava sobre os sofrimentos da Paixão, foi ferido com as cinco chagas do Senhor, que carregou por toda a vida.
Em 3 de outubro de 1226, Francisco de Assis deixa o mundo dos vivos da forma que sempre procurou viver desde sua conversão: na humildade, entre os pobres.
Fontes:
Le GOFF, Jacques. São Francisco de Assis. Ed. Record, Rio de Janeiro, 2005.
VAUCHEZ, André. A Espiritualidade na Idade Média Ocidental: Seculos VIII a XIII. Jorge Zahar Editor, Rio de Janeiro, 1995.
Regra Bulada dos Franciscanos – Disponível em http://www.franciscano.org.br/seminario/textossaofrancisco/proposta%20de%20vida/REGRA%20BULADA.pdf

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